sexta-feira, 1 de abril de 2011

Descrição 002 - sinopse

Uma personagem vagueia entre o público distribuindo sementes, dando-as ao público como se de tesouros se tratasse, embrulhados num pequeno papel onde se lêem palavras como planta-me, cheira-me ou come-me. É uma figura que carrega um gigantesco saco de farinha no cimo do qual um pequeno moinho com as suas velas em movimento.
Esta personagem encaminha alguns dos espectadores sentando-os em pequenos bancos, cadeiras e arcas que se espalham pelo palco, como que a convidá-los a sentarem-se em sua casa, são os seus convidados.
A Cena representa um local simbólico, onde partilham teias de fios, cordas e roldanas, caixas de madeira e no centro da cena um sol, (esfera de projecção, onde serão projectadas cores, manchas e formas que apoiam as ideias, intenções e pensamentos que decorrem durante espectáculo), bem como uma parede de roldanas e engrenagens que irá dar apoio para a representação de alguns espaços físicos das cenas representativas do espaço urbano.
O tempo aqui é um tempo ficcionado, onde se definem noites e dias, mas onde este decorre de um modo aleatório num espaço e tempo reinventados.
A primeira cena é dada pela actriz que prepara a colina/saco. Lá aparece a velha, marioneta, nesta cena trabalhamos a solidão da personagem e o acto da vivência do moinho. O seu nome é Alba, esta cena é fortemente povoada por um universo sonoro, que parte das canções de trabalho dos registos de Michel Giacometti e a música original é povoada pela sensação de vento, de tempo lento, de solidão e dos materiais. Aparece a criança, a relação entre ambas é uma relação difícil, agressiva, não se entendem, não concordam, a criança a quem chamamos de Maria situa-se entre o tédio e o fascínio de pequenos acontecimentos alheados das acções da velha, um pequeno cata-vento de papel, as suas mãos e os seus pés descalços. Aparece um burro, símbolo/marioneta, animal que perdeu a sua função, elemento que nos permite criar uma nova percepção dos relacionamentos entre o grupo, irá ao longo do espectáculo manter-se sem uma presença marcada, mas constante criando situações de ridículo e de apoio ao espectáculo. A cena termina quando Maria observa o infinito. Até aqui pontuada e fechada, a cena abre-se.
Visualiza-se uma nova estrutura, a personagem que no inicio apareceu ao público executa acções de um modo mecânico, o trabalho e a repetição introduz a cidade.
Sentimos o correr de água, visual e de forma sonora que se vai transformando em passos, em engrenagens para dar lugar a pouco e pouco a um movimento mecânico, diverso e constante. Introduzimos as caixas que representam uma aldeia que se transforma em espaço urbano que se amplia cada vez mais. Tal verifica-se com a distribuição de estruturas cenográficas pelo espaço, saem figuras inspiradas nos brinquedos do universo popular português, que simbolizam habitantes, passam os ciclistas, aviadores são suspensos num movimento circular e contínuo em pássaros avião, num movimento a que alguns elementos do público são convidados a participar puxando um cordel que os movimenta. A estrutura vai ampliando e começa a ocupar o espaço da colina. As personagens tentam não ser engolidas pelas estrutura/cidade, lutam, sacodem, empurram, mas acabam por ficar encurraladas.
Esta cena mostra Alba a colocar o moinho em movimento, pois o mesmo sendo inspirado num moinho tradicional português (moinho giratório com estrutura rotativa) irá mover-se ao longo da cenografia, ao longo do espectáculo. É em frente que Alba seguirá num caminho improvável, feito em linha recta, em acções impossíveis, silenciosa. As restantes personagens seguem-na. Estão em deslocação. Alba não olhará para a cidade, que lhe parece escura, sombria, despida e fria.
Têm de parar, o dia estará quase a terminar, e Alba recolhe-se deixando Maria nas escadas do moinho. As luzes da cidade acendem e os sons perturbadores da cidade vão-se transformando e seduzem Maria que caminha em sua direcção, para o seu interior. Primeiro receosa, depois à vontade e mais tarde desejosa de mais, Maria vai conhecendo uma outra cidade, cheia de cheiros, de sons abafados, de risos, de música, de luzes inebriantes, de ecrãs, de homens e mulheres diferentes que a levam a descobrir e Maria visita salas, fala outras línguas cumprimentando e despedindo-se, aplaude num teatro, vê-se num filme, Maria vai crescer. Ri, corre, conversa e fascina-se… desaparece e aparece, vemos surgir aqui a mesma personagem alterada na figura, cresceu em idade, mudou a imagem, abandonou a criança que era. 
Esta cena passará da marioneta para o movimento das estruturas cenográficas identificando, criando a continuidade do estado de espírito da personagem e permitindo a noção da deslocação de Alba e do moinho. Maria adormece, a cena muda, é manhã. Alba irrompe por entre prédios, não olha à sua volta, agarra em Maria que não quer ir, parece alterada e nada mais lhe restará senão arrastá-la à força, Alba não irá perceber que Maria mudou.
A caminhada continua, continua… Decorre aqui o jogo de carregar o moinho e da deslocação, de projecções na esfera, de imagens que denunciam paisagens, passagens do tempo, pensamentos das personagens.
Começam a subir a colina, mas a noite cai e a cidade ficou para trás. Maria terá de ficar dentro do moinho a dormir e Alba ficará de guarda, impedindo que saia. As velas do moinho movem-se com a brisa e Alba tentará ver o que há do outro lado da colina, mas ainda estão longe e Alba sucumbe ao sono, logo ali vê um saco de farinha que passa a voar com asas, as velas do seu moinho giram e começam a surgir personagens bizarras que a levam a trabalhar numa acção imaginária, onde caixas, sacos, farinha, velas fazem parte de um mundo que a levará dentro do sonho. Quando a porta do moinho se abre e se vê Maria, tudo pára.
Bruscamente continuam, Maria lança olhares para o que foi ficando para trás, e quando alcançam o duro topo da colina Alba começa a ouvir um som, o som do mar, Alba fica estupefacta, não quer acreditar.
Todas as expectativas e esperanças se acabam ali para Alba, em frente está o mar, atrás a cidade. É o precipício, Alba desiste, e ali ficará durante o tempo em que Maria também estupefacta se encerra no moinho. Ao inicio da noite Maria empurra Alba para dentro do moinho que se transforma numa máquina voadora, entram e a máquina levanta voo, sobrevoam a cidade e caminham em direcção ao infinito entre as colina que ladeiam a cidade do vale. Alba olhará Maria e depois a cidade onde as luzes se acendem, a máquina voadora passará por cima do público até desaparecer ao fundo do palco.